segunda-feira, 30 de junho de 2014

Uma tarde de redefinições

Eu imaginava que sabia o que era futebol, até que veio o dia 28 de junho de 2014. Na verdade, este texto é uma grave petulância de tentar limitar aquilo que se eternizará na memória. Há quem diga que é uma forma de eternizar, diante da limitada lembrança que temos.

9h - Padrão Fifa na área. Se derrubar, é pênalti! Forte esquema de barreiras, mas uma enorme gentileza em nos deixar o mais próximo possível do Mineirão. O dia já se desenhava ensolarado e com festa. Cerca de 1500 pessoas já estavam lá. Alguns com placas na mão à procura de ingressos. Intermináveis 60 minutos!

10h - Os portões se abrem! Já somos mais de 30 mil. Cada qual procura seu portão e, de fato, somos bem orientados. A desejar? A verificação dos dados e da autenticidade da minha condição, isto é, a própria Fifa dá margens para falsificação de deficiências e de ingressos, uma vez que eles são nominais.

10h15 - Assento localizado. Todo e qualquer detalhe é pouco. Homens engravatados testam a trajada tecnologia. Testam, retestam. Tudo em ordem, menos o traje. O sol ainda parecia se comportar. O tempo é que parecia o problema.

10h35 - Lojas e preços Fifa! Que eles sabem organizar e fazer Marketing, tanto eu, que queria a copa, quanto você que dizia não ter copa, não podemos negar. A loja oficial é tão atraente que atraiu até o meu esquecimento para com o feijão tropeiro. Ainda bem!

12h15 - Tudo observado no telão e... jogadores de azul no vestiário. Uma imagem que se torna real dali a alguns instantes. Da tevê, ao campo! Era ali mesmo! Estava redefinida a palavra emoção. Batem bola por 20 minutos. O suficiente para terem seus nomes gritados. Em especial, o craque e o goleiro, como que em um exercício de previsão.

12h55 - A música toca e redefine o conceito de trilha sonora. Que sejam pedidas todas as desculpas aos musicistas leitores, mas a introdução da Fifa foi, até ali, o mais belo arranjo da tarde. Times perfilados! Hinos a tocar. Redefinida a expressão "jogar junto." Não deixamos os chilenos continuarem o hino e, se você acha que isso é uma reunião diplomática, deve pensar que a região glútea do Hulk faz uma enorme diferença no jogo. Na nossa vez? Cada um deu o que tinha de tom, voz, melodia e coração!

13h00 - Correr para onde? Rolou! Dali sairia só um time vivo. Talvez, só alguns vivos!

13h17 - Jogo truncado e, com bola na área, ninguém viu gol contra. Sim! O gigante David Luiz já tinha seu nome e adjetivos reservados aqui! Em frente, a plenos pulmões comemoramos com pessoas as quais nunca nos conhecemos. Fomos os melhores companheiros uns dos outros! Tudo parecia caminhar para uma tranquila vitória.

13h38 - O time se comportava de forma que a dupla de defesa tocasse mais vezes na bola que quaisquer outros jogadores brasileiros em campo. Já não ultrapassávamos o meio-campo com tanta frequência. Era um indício. Foi uma impotência, vendo tão de perto, não poder esticar mais a mão de Júlio César. Só se ouvia os 8 mil chilenos! Que raiva! Visitantes fazendo festa, comendo do bom e do melhor e ditando o ritmo dentro da sua casa???

13h47 - Fim de primeiro tempo. Comer? Beber? Que nada! Entre uma foto e outra, a incerteza do resultado.

Vem o segundo tempo e o relógio é esquecido. O Chile é quem domina o jogo como o sol domina o lado em que estamos. As ligações diretas mostram um time sem variação e sem saída. Uma escapada de Arandiz e a clara impressão de que a copa se escorria pelas mãos do Júlio e de todos nós. Redefinido o conceito de reflexo.

Entre uma tentativa de gol e o fim do jogo, unanimidade: Que acabe logo!

Mais 30 minutos. Só por isso, já valeu o ingresso. Mas, e a classificação? Não parecia estar tão perto assim. O sol ainda castiga, mas passa a ser um detalhe. 30 minutos tensos? Talvez nem tanto quanto o vigésimo oitavo deles. A 20 metros, Pinilla vira e a bola tinha endereço. Só não tinha selo de correspondência. Trave. Certeza de pênaltis.

A torcida era para o gol da esquerda. E assim foi. A partir dali, as fotos registradas de um gol vazio antes o jogo tornaram-se históricas. Cadê a lista? Só na tevê!

Vem David Luiz. Confiei. Respirei. Gritei. De longe, todos de vermelho eram inimigos. Lembre-se: Futebol não é política. Nada contra a cor. Nenhum de nós sabia mais quem eram os chilenos. Sabíamos quem era Júlio César.

E ele veio. O gol parecia menor. Confiei. Respirei. Gritei. Assim foi na subsequente cobrança chilena. Redefinimos a palavra confiança, mas, em seguida, a sensação de medo. Willian para fora e Hulk sem direção. Incrível? Ele não, a situação, sim.

Veio o menino. Neymar caminhava e o coração já não tinha mais espaço para bater. Correu. Ufa! A responsabilidade agora era de Gonzalo Jara - só descoberto depois - com 50 mil brasileiros no gol da esquerda. Restava-o tirar do gol.

O selo da bola na prorrogação também faltou à cobrança do zagueiro. Trave. Sem reação certa, copos voam, olhamos uns aos outros como se fôssemos os melhores amigos. 50 mil amigos! 50 mil apaixonados! Estamos lá. A odisseia continua. Redefinimos o conceito de emoção. Reafirmamos o amor por um esporte, que ainda permite protocolos quebrados.

De lá entregamos a Fortaleza. E que não seja preciso tantas redefinições até o caminho da taça.